Pejotização, Terceirização e as Decisões do STF: Um Panorama Jurídico Atual

29/02/24

No mundo corporativo, as denominadas “pejotização” e “terceirização” são temas que, embora façam parte do cotidiano de diversas empresas e dos mais variados segmentos da economia, vêm sendo objeto de ampla discussão no cenário jurídico atual.

Com o advento da “Reforma Trabalhista” (Lei nº 13.467/2017), as regulamentações referentes às relações de trabalho e emprego inauguraram, em nível legislativo, um cenário de maior modernização e autonomia privada. Assim, em tese, abriram-se novas possibilidades de contratação e negociação entre as partes envolvidas.

Nesse cenário, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a prever, no artigo 442-B, a possibilidade de contratação de trabalho autônomo sem que haja a configuração de vínculo empregatício. No entanto, a despeito das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, não há, ainda, uma regulamentação mais específica acerca das possibilidades de contratação de trabalho mediante a constituição de pessoa jurídica.

Além disso, até meados de 2017, a terceirização não possuía regulamentação legal e, como consequência, acabava por gerar diversos questionamentos e incertezas às empresas que optassem por essa forma de contratação. Porém, em 31 de março de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.429/2017, que regula a prestação de serviços por terceiros, ou seja, a “terceirização”.

Em linhas gerais, pode se dizer que a “pejotização” e a “terceirização” são modalidades de contratação de mão de obra que têm em comum a ausência de vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador dos serviços. A pejotização nada mais é do que a contratação de um trabalhador (pessoa física), por meio da constituição de uma pessoa jurídica, muitas vezes criada pelo trabalhador para esse propósito específico. A terceirização, por sua vez, pode ser conceituada como a contratação de terceiros, por meio de uma empresa intermediária (interposta), para prestar determinados serviços à empresa.

Embora as inovações legislativas de 2017 no âmbito do Direito do Trabalho tivessem como objetivo conferir maior segurança jurídica às contratações fora do regime celetista, a pejotização e a terceirização continuam, até os dias de hoje, sendo alvo de inúmeras Reclamações Trabalhistas distribuídas perante a Justiça do Trabalho. Nas ações, pretende-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador dos serviços, com o consequente recebimento das verbas trabalhistas inerentes a relação de emprego, tais como 13º salário, férias + 1/3, aviso prévio, FGTS, dentre outras.

Ao analisar esse tema, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui posicionamento consolidado acerca dos efeitos deletérios da pejotização e da terceirização, concluindo, na expressiva maioria dos seus julgamentos, que a contratação na modalidade autônoma por meio de pessoa jurídica constitui fraude à legislação trabalhista, quando estão presentes os requisitos caracterizadores do vínculo de emprego (artigo 3º da CLT).

Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem apresentando um posicionamento diametralmente oposto ao do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema, reconhecendo a licitude de outras formas de contratação do trabalho, que não por meio da relação de emprego, ratificando a validade da terceirização e da pejotização.

Mais da metade (64%) das Reclamações Constitucionais julgadas pelo STF entre janeiro e agosto de 2023 validaram as contratações por meio da terceirização ou da pejotização e afastaram o reconhecimento de vínculo de emprego, segundo pesquisa divulgada em novembro de 2023 pela FGV Direito SP (Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais), que analisou 841 decisões monocráticas de mérito proferidas pelos ministros do STF entre 1º de janeiro e 20 de agosto de 2023.

De acordo com o entendimento da Corte Superior, consagrado no Tema 725 (com repercussão geral), “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Com decisões conflitantes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, ambas as práticas continuam sendo temas sensíveis no cenário jurídico atual, sendo uma forte recomendação observar os parâmetros da legislação trabalhista vigente, a fim de mitigar o risco do reconhecimento do vínculo de emprego nessas espécies de contratação.

Por Camila de Moraes Machado, sócia de SMDA – Sonia Marques Döbler Advogados.