Contagem Regressiva para a Reforma Tributária: Como se preparar para o período de transição?

17/03/25

Escrito por: Sonia Marques Döbler e Thaís Silveira Araújo

A tributação de bens e serviços no Brasil sempre esteve no centro dos debates políticos, tanto pela inquestionável complexidade da legislação brasileira, como pelo impacto direto que a carga tributária e as obrigações fiscais impõem às rotinas e ao planejamento das empresas.

Por muitos anos, a tão esperada reforma tributária foi pauta recorrente, refletindo o anseio da sociedade por um sistema mais simples e eficiente. Um passo foi dado com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, mas ainda pairam dúvidas se o modelo aprovado pelo Governo Federal conseguirá atender às expectativas de simplificação da tributação brasileira sobre o consumo.

Isso porque a EC nº 132/2023, juntamente com a recém-aprovada Lei Complementar (LC) 214/2025, concentrou a tributação sobre o consumo em um IVA dual, operacionalizado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União Federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sob liderança do Comitê Gestor, mas de atribuição compartilhada entre Estados, Municípios e o Distrito Federal. Além disso, foi criado o Imposto Seletivo (IS), com finalidade extrafiscal, para incidir sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, motivo pelo qual é também conhecido como “Sin Tax”.

Esse novo arcabouço legislativo será implementado de forma gradual, com uma transição prevista para ocorrer entre 2026 e 2032. Durante esse período, os tributos antigos (i.e., em âmbito federal, o IPI, a Contribuição ao PIS e a COFINS; na esfera estadual, o ICMS e, nos Municípios, o ISS) coexistirão com o novo sistema, exigindo atenção dos contribuintes ao processo de adaptação.

Com 2026 se aproximando, exploraremos neste artigo as principais medidas que as empresas podem adotar para se preparar para a transição da Reforma Tributária, assegurando a conformidade com as novas regras.

  • 2026: Início da Transição da Reforma Tributária

Do ponto de vista das empresas, os contribuintes continuarão recolhendo os tributos atualmente incidentes sobre o consumo, notadamente o ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI em 2026. No entanto, as operações também estarão sujeitas a uma alíquota teste de 1% do IVA-Dual, sendo 0,9% de CBS e 0,1% de IBS. Vale ressaltar que o Imposto Seletivo (IS) só começará a ser cobrado a partir de 2027.

A alíquota teste de IBS e de CBS deverá ser destacada nas notas fiscais de bens e serviços, e lançada nas obrigações acessórias correspondentes. Ademais, os valores pagos em 2026 a título dos novos tributos poderão ser compensados, desde que sigam a ordem preferencial prevista no artigo 345 da LC 214/2025, qual seja, com débitos de PIS/COFINS, outros tributos federais ou, por fim, ressarcidos.

Entretanto, o recolhimento da CBS e do IBS não será obrigatório no próximo ano. De acordo com o §1º do artigo 348 da LC 214/2025, os contribuintes que cumprirem corretamente com suas obrigações acessórias em 2026 estarão dispensados do pagamento desses tributos durante todo o ano-calendário respectivo.

Por isso, é fundamental que as empresas façam adequações em seus sistemas internos e garantam o cumprimento das obrigações acessórias: tais medidas não apenas garantirão uma preparação eficaz, como também podem minimizar o efeito de majoração da carga tributária, devido à incidência da alíquota teste nas operações ocorridas em 2026.

  • 2026: Emissão de Notas Fiscais, Split Payment e Apuração de Tributos

Os sistemas internos das empresas, tanto de emissão de notas fiscais quanto de apuração de tributos, deverão ser ajustados para refletir a aplicação da alíquota teste do IVA-Dual (CBS e IBS), sem comprometer o destaque e os lançamentos dos tributos já vigentes.

Com relação às mudanças para as notas fiscais, a Nota Técnica 2024.002 do Comitê Gestor das Notas Fiscais Eletrônicas atualizou o leiaute do documento para incluir campos específicos referentes à tributação da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo (IS). Essas alterações abrangem desde o destaque das alíquotas até ajustes na apuração e no local de recolhimento dos tributos, em conformidade com o regime de tributação no destino que foi introduzido pela Reforma Tributária.

O novo leiaute será implementado ao longo de 2025, com o ambiente de testes disponível a partir de 01/09/2025 e vigência obrigatória em 31/10/2025. Isso significa que as empresas deverão atualizar seus sistemas de emissão de notas fiscais para atender as exigências da Nota Técnica 2024.002, além de integrá-los às novas obrigações acessórias relacionadas à apuração e ao lançamento de CBS, IBS e IS, que devem ser estabelecidas em legislações pendentes de aprovação.

Adicionalmente, os ajustes de sistema e das obrigações acessórias deverão refletir a nova sistemática de recolhimento dos tributos introduzidos pela Reforma Tributária, o split payment. Segundo os artigos 31 a 35 da LC 214/2025, as operadoras de pagamento eletrônico deverão, na liquidação da transação financeira, segregar e recolher os valores correspondentes à alíquota do IBS e da CBS às Autoridades Tributárias competentes. Todo o processo será automatizado por meio da vinculação dos dados da nota fiscal e do meio de pagamento, de modo que o destaque dos tributos ocorre no ato de disponibilização dos recursos.

Em princípio, o split payment será utilizado em operações intermediadas por meios de pagamento, afetando, principalmente, o setor de varejo. Entretanto, a nova legislação prevê que os contribuintes poderão optar pelo procedimento, que é classificado como “simplificado”, para a apuração periódica do IBS e da CBS. Ademais, como o mecanismo deve ser regulamentado por ato do Comitê Gestor do IBS e da RFB, é possível que o seu alcance seja posteriormente estendido para outras espécies de transações.

Embora ainda aguarde regulamentação, é certo que o split payment aproximará a apuração do IBS e da CBS ao regime de caixa, ao contrário dos tributos atuais, que seguem o regime de competência. Por isso, esse novo modelo de pagamento dos tributos exigirá providências de integração dos sistemas de emissão de notas fiscais com os de meios de pagamento, além de ajustes nos sistemas de gestão financeira das empresas.

O processo de transição, porém, não está limitado à adequação de softwares fiscais e contábeis; ele também demanda uma revisão dos processos internos.

  • 2026: Revisão de Processos Internos

A manutenção da eficiência, sem prejuízo da conformidade durante a transição da Reforma Tributária, decorre de uma visão holística das operações empresariais e não apenas das rotinas da área fiscal.

Um dos principais exemplos é a mudança no regime de apuração dos tributos sobre o consumo. De acordo com o artigo 42 da LC 214/2025, os créditos e débitos do IBS e da CBS passarão a ser apurados de forma consolidada para todos os estabelecimentos de um mesmo contribuinte. A apuração centralizada difere do modelo atual de autonomia dos estabelecimentos, aplicado ao IPI, ICMS e ISS, o que pode influenciar a estruturação das empresas e impactar na abertura ou no encerramento de filiais.

A bem da verdade, todo o negócio tem potencial para ser influenciado pela Reforma Tributária, eis que a tributação sobre o consumo afeta a precificação de bens e serviços. Considerando que o artigo 12 da LC 214/2025 estabeleceu que o IBS e a CBS não compõem o valor da operação e que serão calculados “por fora”, o cenário cria oportunidades para a renegociação de custos e preços e, até mesmo, para revisões contratuais com fornecedores e com clientes.

Nesse cenário, a capacitação e o treinamento são práticas essenciais para enfrentar as transformações trazidas pela Reforma Tributária e não se limitam apenas à área fiscal. É aconselhável que o time seja envolvido como um todo, pois decisões estratégicas devem ser tomadas considerando as repercussões das regras tributárias. A preparação deve ser um esforço contínuo no ambiente empresarial, especialmente porque muitos aspectos relevantes para a operacionalização do novo sistema permanecem incertos.

  • Próximos Passos da Reforma Tributária

Diversos pontos cruciais da Reforma Tributária ainda aguardam definição. O principal deles é a alíquota padrão do IBS e da CBS, a ser aplicada em 2033, após o período de transição. Resolução do Senado Federal deve definir a carga tributária, e a expectativa é de que o percentual total possa chegar a 28% (vinte e oito por cento), o que colocaria o Brasil como o país com a tributação mais elevada sobre o consumo no modelo IVA.

Além disso, o ano de 2025 deve ser marcado pela aprovação de outros normativos da Reforma Tributária. Entre as legislações aguardadas, destaca-se o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que institui o Comitê Gestor do IBS, bem como de regulamentos específicos sobre os novos tributos, regras para regimes especiais e manutenção e aproveitamento de créditos dos tributos preexistentes, aspectos com importância significativa para a organização das empresas.

É por esses fatores que a preparação para a Reforma Tributária deve ser vista como um processo dinâmico. As empresas precisam adaptar suas operações de maneira planejada, mas com flexibilidade para lidar com eventuais desdobramentos. Nesse sentido, o suporte contínuo de uma assessoria jurídica especializada é uma ferramenta fundamental para garantir uma transição bem-sucedida ao novo sistema tributário brasileiro sobre o consumo.